As 3 expectativas de um público [Lição de Dramaturgia]
Em que aprendemos a frustrar e atender diferentes tipos de expectativas
O público teatral consiste em um coletivo de espectadores. Um espectador, antes e durante a exibição de um espetáculo, possui expectativas em relação à apresentação. O mesmo se aplica a uma peça escrita: o leitor possui expectativas e a sua leitura será, mais do que uma recepção limpa do que está sendo lido, um confronto entre tudo o que já leu (e viveu) e o que lê no momento.
Sobre a expectativa de leitores e espectadoras, o dramaturgo inglês David Edgar, em seu livro How Plays Work (2009), identifica três eixos: Plausibilidade, Convenção e Coerência.
A PLAUSIBILIDADE
A plausibilidade diz respeito à expectativa do público em relação à maneira como um texto representa o mundo externo. Estabelece a conexão entre a obra e a realidade vivenciada pelo espectador. Questiona Edgar:
A peça se encaixa com nosso conhecimento do assunto ou nossa experiência de vida? Sabemos – ou achamos – que policiais, cabeleireiros ou adolescentes se comportam desse ou daquele jeito? As ações das personagens são razoavelmente justificadas por suas circunstâncias? Sob essas circunstâncias, acreditamos que tal resultado seja plausível?
Quando um texto apresenta uma correspondência significativa com a realidade cotidiana, geralmente afirmamos que seu estilo é realista; quando a correspondência é ainda maior, dizemos que é naturalista. A vertente do teatro documentário ou verbatim vai além: intensifica a plausibilidade entre a cena e a realidade, reproduzindo na dramaturgia depoimentos literais, palavra por palavra, exatamente como foram registrados.
A plausibilidade se configura como um espectro, e dentro dele admite vários graus. O espectador que assiste ou lê um depoimento em uma peça, mesmo sem saber que se trata de uma origem documental, pode ter sua expectativa de plausibilidade intensificada ao reconhecer — na reprodução repleta de cacos e cacoetes linguísticos, pausas e falsos começos — elementos muito próximos da realidade de como as pessoas se comunicam.
A dramaturga Janaina Leite, por exemplo, projeta diálogos reais do WhatsApp em sua peça Stabat Mater (2018). Repare:
Atriz - Boa notícia! Queria marcar um café com você/
Ator - Bom dia! Meu, vai me matar do coração. Kkk falaaaaaa!
Atriz – Vamo marcar que eu te explico tudo. Mas o convite é esse. Pra você fazer a peça e tal.
Ator – Aceito tudo. Vai ser incrível. Quando você quer marcar? Nossa, melhor maneira de acordar. (GIF) Obrigado!!! Meu maior desafio. (GIF) Tô tonto KKKK. Vc realmente vai transar na sua peça?
Ator – Até o papa vai ver essa peça.
Atriz – Não sabemos. Muito chão ainda. Primeiro, vamos “transar” no vídeo. E te peço pra manter sigilo de tudo por enquanto.
Ator – Não sei se pra vc ajuda, vai querer ir pro sexo direto ou vai querer um ensaio, assim vc me mostra seus caminhos e fica mais fácil para o dia do vídeo, não queria errar contigo nesse sentido.
Atriz – É menos óbvio do que parece. E eu realmente coloco “transar” entre aspas. Porque é um programa performativo. Um laboratório. Mas eu vou te explicar tudo isso.
Ator – Kkk. Desculpa! Entendi, tu vai fazer um fake? Simular a parte do sexo?
Atriz – Não tem nada simulado. É de verdade.
Ator – Uau! (GIF) Amei!
Atriz – Mas preciso te explicar os termos do que eu considero de verdade. E você também o que você considera de verdade. Vamos ajustando.
Ator – Sim! Esse é o medo. Os meus limites. Vc não imagina como é a parte da ereção.
Atriz – Veremos tudo isso. Não imagino mesmo!
Ator – Se eu tiver tesão de verdade em você vai te incomodar?
Atriz – Nem um pouco.
Ator – Regra número 1. Para o ator homem é: ele precisa do pau dele muito firme. Ele precisa da receita do bolo dele.
Atriz – Tudo vai ser mais estranho do que vc está acostumado. É importante que seja novo pra você também. Se não fica fácil.
Ator – Mais do que está sendo? Kkk. Já está sendo. Obrigado!
Atriz – Eu que agradeço
Nessa troca de mensagens, há recursos linguísticos característicos do registro que utilizamos ao nos comunicar por mensagens de texto, como "Vc", "KKKK", "falaaaaaa" e o uso de GIFs (que na dramaturgia é apresentado como indicação textual, mas na encenação deve ser exibido como mídia).
Mesmo supondo que esse diálogo tenha sido criado para a peça, ele ainda atende às expectativas de plausibilidade. Parte do apreço que temos ao ver um diálogo como este representado na página advém do reconhecimento de sua aproximação com algo real que sabemos existir.
Em Dramáticas do Transumano (2012), o dramaturgo Roberto Alvim1 reivindica exatamente um teatro radicalizado que se afaste da plausibilidade, o qual ele denomina como transumano. Eis sua proposta resumida em três excertos:
Transumano é a invenção de desenhos (im)possíveis que propiciam experimentarmos a vida de outros (e imprevisíveis) modos.
TRANS = invenção de desenhos transitórios da condição (não)humana, em instabilidade e hibridização permanentes
A finalidade do teatro é a reinvenção da anatomia humana (recusa do SER, aporte no ESTAR)
Em resumo, materiais dramatúrgicos que buscam graus variados de realismo, naturalismo ou veracidade atenderão variavelmente às expectativas de plausibilidade. Mas poderão, ao mesmo tempo, frustrar outras expectativas.
A CONVENÇÃO
Por que os personagens de filmes e séries raramente dizem "tchau" ao encerrar uma ligação telefônica?
Isso ocorre porque um roteiro audiovisual deve seguir o princípio de utilidade, ou seja, cada ação verbal ou física deve contribuir para a compreensão da trama e das personagens, bem como para o desenvolvimento delas. A menos que o "tchau" atenda a algum desses critérios, ele será excluído. Com isso, a expectativa de plausibilidade também acaba sendo frustrada, afinal, na realidade, a maioria das pessoas diz "tchau" ao terminar uma ligação. A ausência do "tchau" não corresponde à nossa realidade, mas obedece a um princípio ficcional, originando uma convenção.
Essa convenção, vale ressaltar, é herdada pelo audiovisual da dramaturgia. O roteiro ou dramaturgia que "deve" seguir o princípio de utilidade só o faz porque há um critério artístico envolvido, fundamentado na premissa de que um elemento que não contribui para a história também não favorece o entretenimento. E proporcionar entretenimento é, assim como a ausência do "tchau" e o princípio de utilidade, uma convenção.
O eixo da expectativa que chamamos de convenção equivale à conexão de uma peça com outras peças e narrativas. O espectador, consciente ou não, compara tudo que já assistiu, leu e ouviu com o que está lendo ou assistindo no momento. Se um personagem diz "tchau" ao telefone, a expectativa do espectador no eixo da plausibilidade será confirmada, enquanto a expectativa no eixo da convenção será quebrada. A expectativa de convenção também abarca aspectos estruturais mais amplos, edificados por narrativas ao longo do tempo. David Edgar expressa dessa maneira:
[...] Esta [a convenção] é a forma de probabilidade que nos inclina a esperar que uma tragédia termine em morte e uma comédia em casamento. Também nos leva a suspeitar – e, de certa forma, exigir – que as esperanças sejam frustradas, o amor verdadeiro enfrente obstáculos, os rituais sejam interrompidos e a vitória venha com um preço. [...] O público internaliza uma acumulação de convenções que forma um padrão de expectativa estrutural capaz de ser cumprido ou quebrado, mas não ignorado.
Os gêneros teatrais e narrativos, textuais e discursivos, são conjuntos de convenções. Na dramaturgia, utilizá-los é uma forma de situar a expectativa do público, reforçá-la e, em algum momento, satisfazê-la ou frustrá-la. Uma tragédia que apresenta todos os traços característicos do gênero, mas não termina em morte, decide jogar com a expectativa do público. O "jogo" do teatro, nesse sentido, não ocorre apenas entre os atores ou personagens, ou entre os personagens e o cenário, mas também entre os elementos gerais do espetáculo e as expectativas dos espectadores.
O caso do teatro do absurdo é interessante para analisar. Dramaturgos do absurdo, como Eugène Ionesco, eliminaram boa parte das estruturas lógicas presentes no teatro tradicional. A ação dramática, como é convencionalmente compreendida, é praticamente inexistente; a atividade das personagens em cena é vazia e tem pouco ou nenhum valor para o desenvolvimento da trama ou das personagens — que, de fato, nem se desenvolvem. As personagens de A Cantora Careca (1950), de Ionesco, passam a peça inteira sentadas, repetindo frases óbvias até que soem como nonsense. Nesse estilo de teatro, a convenção (e a plausibilidade) é rompida radicalmente. Porém, após estabelecer e consolidar seu estilo, o teatro do absurdo tornou-se, ele mesmo, uma convenção. Dessa forma, ao irmos ao teatro assistir a uma peça denominada absurda, sabemos exatamente como ajustar nossas expectativas, incluindo a expectativa de que não veremos nada plausível2.
A situação é diferente no caso do teatro documental. Nesse estilo, as expectativas de plausibilidade e convenção podem se sobrepor. Se o espectador estiver familiarizado com as convenções do gênero documental, esperará ver depoimentos e registros literais sendo reproduzidos em cena, o que também corresponderá às suas expectativas de plausibilidade em relação ao real.
Mas e se a peça documental, ao reunir diversos fragmentos documentais sobre temas específicos, não conseguir estabelecer uma conexão temática, estética ou estrutural entre eles? Essa questão envolve outro eixo de expectativa.
A COERÊNCIA
O eixo de expectativa que chamamos de coerência equivale à relação de uma peça com ela mesma, isto é, a relação entre os elementos da peça com o seu todo. Veja o que David Edgar tem a dizer:
Nos perguntamos se uma dramaturgia mantém-se unida internamente, se suas partes se somam a um todo: se a promessa é cumprida, o dever concluído, a pergunta feita respondida. É o impulso por coerência que explica a regra de Chekhov de que, se você exibe a arma na parede no primeiro ato, o público espera que ela dispare no terceiro.
Mas não seria a regra de Chekhov uma convenção? Para defender que um elemento desperta uma expectativa de coerência (e não de convenção) no leitor ou espectador, teríamos que recorrer não à cultura, mas à natureza humana. Será que há disposições psicológicas fundamentais e universais que nos levam a esperar que a arma introduzida no primeiro ato seja efetivamente disparada no terceiro?
David Edgar recorre ao diretor de teatro Peter Brook para defender que, de fato, existem "regras" de ritmo e proporção mais fundamentais do que o gosto pessoal ou a cultura, as quais nos afetam por serem expressões de leis naturais. Para Edgar e Brook, a tendência humana de encontrar padrões no ambiente provoca na espectadora uma resposta composicional, permitindo-lhe extrair significado dos padrões, formas e ritmos apresentados numa peça.
Do ponto de vista evolutivo, parece razoável afirmar que temos uma predisposição inata para identificar padrões no ambiente, já que isso é evidentemente vantajoso para a nossa sobrevivência. Assim, na ficção e nas artes, a presença de padrões hiperestimula e hipersatisfaz esse apetite natural, estabelecendo uma expectativa. No entanto, também me parece razoável afirmar que a cultura pode sobrepor e até mesmo silenciar certas disposições naturais. Se a regra de Chekhov é uma expressão de nossa busca inata por padrões, poderíamos imaginar, em outra cultura, uma espécie de regra anti-Chekhov, na qual seria convencional introduzir numa peça elementos que não estabelecem entre si nenhuma relação causal ou temática, ou seja, nenhum vínculo de coerência interna. Nesse caso, a expectativa de convenção prevaleceria sobre a expectativa de coerência, ou seria indistinguível dela.
Talvez a melhor defesa da coerência como disposição natural da espécie humana seja encontrada na teoria dos valores estéticos do filósofo Tom Cochrane, apresentada em seu inestimável livro The Aesthetic Value of the World (2021). Nessa obra, Cochrane define os valores estéticos com base em mecanismos psicológicos inatos, selecionados pela evolução por serem benéficos à nossa sobrevivência. Segundo o filósofo, um valor estético é uma versão afastada de um valor prático. Dessa forma, o valor estético do erótico, por exemplo, seria claramente uma versão afastada do valor prático do sexo. Menos evidente é o valor estético do belo, amplamente debatido na tradição filosófica. Para Cochrane, o belo representa a versão afastada do valor prático do conhecimento. Eis como o filósofo explica essa relação:
Minha ideia básica é que achamos objetos ou eventos belos quando muitas [de suas] partes parecem se encaixar harmoniosamente. [...] Achamos algo coerente quando as partes parecem mutuamente prováveis, e quanto mais partes mutuamente prováveis houver, melhor. Outra maneira de explicar isso é dizendo que achamos as coisas belas no momento em que percebemos que elas contêm padrões que permitirão que vários detalhes sejam reconciliados ou previstos.
[...] O prazer obtido quando coisas se encaixam é uma versão afastada da recompensa que obtemos do conhecimento. Conhecer as coisas é plausivelmente uma preocupação inata para criaturas como nós porque, por um lado, nosso conhecimento do mundo é vital para nossos compromissos práticos e, por outro lado, é um processo que consome muita energia. Como consequência, é plausível que as criaturas desenvolvam mecanismos de prazer ou recompensa que rastreiam e reforçam essa atividade. Ou seja, nosso cérebro nos recompensa com prazer quando obtemos conhecimento com êxito. Portanto, nesta explicação, o conhecimento é um tipo de bem, e a aprendizagem ou busca do conhecimento é um tipo de resposta atraente.
A expectativa de coerência surge de nosso apetite estético pela beleza, que por sua vez deriva de nossa preocupação prática com o conhecimento, possibilitada por nossa habilidade de detectar padrões e relações "mutuamente prováveis", conforme afirma Cochrane. A coerência, assim, se justifica como uma expectativa distinta da expectativa de convenção, embora possam ocasionalmente se confundir.
CONCLUSÃO
Ter consciência das três expectativas significa ter consciência de três canais de comunicação que conectam a dramaturga diretamente com o espectador. É ter claro um meio de dialogar com o público em pelo menos três níveis distintos: como ser humano, através do eixo da coerência; como sujeito social, através do eixo da plausibilidade; e como espectador de teatro, através do eixo da convenção.
No entanto, é evidente que dividir a expectativa do público em três eixos representa um esforço artificial, assim como qualquer divisão teórica ou pedagógica pode ser. Obviamente, não é possível descrever com máxima precisão tudo o que um público espera, tampouco categorizar suas inúmeras expectativas como se fossem facilmente separáveis.
Ainda assim, acredito ser útil refletirmos sobre a origem e o caráter de algumas dessas expectativas. Esse esforço dá nitidez criativa ao ofício dramatúrgico, além de nos guiar para pensar nossa criação com o público e não apesar dele.
A LIÇÃO NA PRÁTICA
Plausibilidade
Diálogo — Crie um diálogo entre duas personagens. Faça com que uma delas se expresse de maneira artificial, talvez utilizando versos métricos, rimas e abundantes figuras de linguagem, conferindo um tom evidentemente poético às suas falas. Já para a outra personagem, atribua falas extremamente naturais, talvez copiadas diretamente de uma conversa por aplicativo de mensagens ou que representem graficamente a maneira como falamos no dia a dia. Dessa forma, você estará estabelecendo uma tensão na plausibilidade exibida entre as duas personagens. Observe os efeitos adicionais que isso pode produzir.
Monólogo — Grave a si mesma falando sobre um tema de seu interesse ou preocupação. Em seguida, transcreva essa gravação em um monólogo, mantendo as pausas, os falsos começos, os "hmm's" e os "é's" e representando fielmente sua fala na escrita. Se você costuma abreviar palavras, como omitir a última letra de verbos no infinitivo (por exemplo, "comê" em vez de "comer"), registre isso na dramaturgia. Coloque-se na posição do espectador por um momento e reflita sobre as sensações e emoções que surgem ao ouvir um monólogo nesse registo.
Rubrica — Crie uma lista de ações plausíveis que transpareçam intenções familiares (por ex.: lavar a louça, escovar os dentes, fazer flexões, desamarrar os sapatos) e outra de ações implausíveis que não transpareçam intenções familiares (por ex.: puxar as orelhas, cuspir na mão, cheirar talheres, andar de joelhos). Em seguida, experimente escrever rubricas aleatórias que representem tais ações em cena. Pense em como você pode atribuir plausibilidade às ações inicialmente implausíveis (dando a entender, talvez, que a personagem andando de joelhos está pagando uma promessa) e em como você pode tornar implausíveis as ações inicialmente plausíveis (fazendo, por exemplo, com que a personagem que lava louças continue nessa atividade até que se torne cada vez mais abstrata, transformando-se, à la Pina Bausch, em uma coreografia de dança).
Convenção
Diálogo — Selecione dois gêneros ou estilos do audiovisual, como, por exemplo, film noir e desenho infantil. Analise os traços estilísticos dos diálogos entre as personagens desses gêneros e tente recriá-los em um diálogo entre as suas próprios personagens. Dê a cada uma delas um registro diferente, relacionado ao gênero de origem. Ao final, reflita se as falas das personagens remetem adequadamente aos gêneros escolhidos. Caso a convenção não esteja clara, estude mais de perto como as personagens se expressam nos gêneros selecionados e busque aprimorar seu diálogo de acordo com isso.
Monólogo — Selecione dois gêneros, podendo ser orais, textuais ou uma combinação de ambos. Por exemplo, tuítes e telemarketing. Em seguida, crie um monólogo no qual a personagem transita entre esses dois gêneros. Pode ser uma personagem que posta tuítes enquanto atende clientes por telefone, por exemplo. Essa alternância linguística permite explorar o conceito de máscara, com a personagem alternando entre as identidades de atendente de telemarketing e usuário do Twitter. Observe atentamente as convenções verbais de cada gênero e procure reproduzi-las em seu monólogo. Quando o gênero não está diretamente relacionado ao teatro ou à ficção, mas sim a uma mídia cotidiana, as convenções podem se misturar bastante com a plausibilidade (por exemplo, é plausível que uma atendente de telemarketing fale dessa maneira?). Mas isso, na prática, não importa muito, desde que você esteja atenta às convenções que as personagens, assim como as pessoas, adotam de acordo com as máscaras que vestem.
Rubrica — Considere as 36 situações dramáticas propostas pelo crítico Georges Polti em 1895. Polti elaborou essa lista analisando principalmente textos clássicos gregos e franceses, bem como obras contemporâneas à sua época. Podemos considerar que tais situações são convencionais, mesmo que também sejam encontradas fora dos palcos. Por exemplo, a súplica e a vingança são duas dessas situações. Cada uma delas sugere um encaminhamento narrativo distinto. Com a rubrica, escreva uma sequência de ações que representem a súplica, a vingança ou qualquer outra das 36 situações. Pense em como você pode torná-las identificáveis sem recorrer à linguagem verbal. Foque nas expressões faciais, gestos, posturas e movimentos das personagens para evocar tais situações. Para uma versão atualizada, veja as 36 situações dramáticas de Mike Figgis.
Coerência
Diálogo — Pense em uma adaptação da regra de Chekhov aplicada ao diálogo. Imagine que a "arma" seja, na verdade, uma fala. Comece o diálogo com essa fala. Faça com que ela seja enigmática e intrigante, que não revele imediatamente seu significado ou propósito. À medida que o diálogo progride, desvie-se da fala inicial, dando a impressão de que ela é dispensável. No entanto, ao final do diálogo, faça com que uma de suas personagens repita a fala, agora contextualizada e repleta de sentido. Assim como a arma de Chekhov, essa fala "dispara" de forma surpreendente e impactante, revelando sua importância e conexão com o restante do diálogo.
Monólogo — Escolha três temas sem conexão óbvia entre si, como, por exemplo, a crise financeira, uma unha encravada e um episódio da infância. Crie um diálogo em que a personagem aborde os três temas simultaneamente, alternando entre eles ao longo do texto. A princípio, evite estabelecer conexões diretas ou fazer comparações entre os temas. À medida que o diálogo progride, porém, comece a conectar os temas de maneira sutil e gradual. Explore as possíveis relações entre os assuntos e como eles podem influenciar uns aos outros, mesmo que indiretamente. Ao final do diálogo, os temas devem se harmonizar, contribuindo para a construção de um significado maior e unificado.
Rubrica — Considere uma série de ações que não apresentem intenções facilmente reconhecíveis. Essas ações não precisam ser necessariamente implausíveis. Por exemplo, um personagem recortando tiras de papel não é algo implausível (embora não seja muito comum), mas não revela uma intenção clara. Pense em como você pode sugerir, nas rubricas, diferentes intenções para a ação de recortar papel. Introduza pistas falsas que levem o público a considerar diversas intenções, mantendo-o envolvido e curioso sobre o propósito real da ação. No final, revele a verdadeira intenção por trás do recorte de papel, de preferência de forma surpreendente e inesperada.
Unindo tudo
Experimente agora combinar os diálogos, monólogos e rubricas criados nos exercícios de plausibilidade, convenção e coerência. A expectativa de coerência se mostra particularmente útil nesse momento. Identifique as conexões e encaixes, padrões e relações que podem ser estabelecidos entre os materiais gerados. Pense em como você pode utilizar a coerência, ou a falta dela, para criar efeitos específicos. Considere como a frustração da coerência interna de uma cena pode gerar um impacto diferenciado no público. Será que, ao romper a coerência em uma cena, você estará atendendo a algum outro eixo de expectativa?
Quer me apoiar? Faça um Pix!
Se meus textos são úteis e enriquecedores, se eles te ajudam a escrever mais, melhor e diferente, se te ajudam a pensar e criar dramaturgia, se adicionam algum valor na sua vida, então considere me apoiar fazendo um Pix. A chave é a seguinte:
caetanobcb@gmail.com
Me apoiando, você me permite comprar mais minutos do meu dia para me dedicar ao que mais gosto, que é ler, pensar, pesquisar, escrever e ensinar dramaturgia. Em outras palavras, você me ajuda a driblar o diabo do capitalismo e a partilhar mais conhecimento gratuito.
Caso queira, você também pode adquirir meu curso na Udemy clicando na imagem:
Impossível citar Roberto Alvim sem fazer a ressalva de que, apesar de suas contribuições para o teatro, em nada eu endosso a pessoa, as ações e as opiniões dele nos últimos anos.
O Mito de Sísifo (1942), ensaio do filósofo existencialista Albert Camus, é reconhecido como a principal inspiração para o teatro do absurdo. Nesse trabalho, Camus argumenta que a vida é fundamentalmente absurda e desprovida de propósito. Assim, a nível metafísico, pode-se argumentar que o teatro do absurdo é, na verdade, mais compatível com a realidade e, embora possa não parecer à primeira vista, é mais plausível do que as dramaturgias tradicionais.